Idiossincrasias: Hendecagonia

Antologia de Ficção Científica

Hendecagonia é a terceira antologia de contos de ficção científica da série Idiossincrasias. A coletânea mantém a organização original de textos independentes que tratam de enunciados basilares da sf universal, convidando o leitor a refletir sobre ações e reações de personagens em cenas nas quais ciência e tecnologia são arquiteturas e ferramentas. Em Hendecagonia, os temas tratados em diferentes estilos narrativos buscam ilustrar manifestações opressivas, apresentando personagens e situações cuja conclusão reside na reconfiguração de suas expectativas. Em Hendecagonia, os contos são exercícios de manipulação introspectiva.

Narrativa

Como nos demais livros da série, as narrativas partem de uma relação metalinguistica com o Prólogo, no qual uma situação imponderável tem início, e o leitor, deve buscar parâmetros para deduzir respostas ao mistério. O que aconteceu durante o breve encontro? Seria a fuga um padrão inexorável? Resta-nos saber onde.

Paradas, ambas as damas, diante das onze imagens alinhadas e espaçadas: o reflexivo silêncio foi interrompido por uma delas:

- Belíssimas representações!

Enormes obras distribuídas no côncavo da parede de tijolos vítreos. As molduras das peças, iluminadas por trás, chamou a atenção da mais jovem:

- Repara que as molduras lembram grades lacradas, pertinente ao tema das pinturas...

- Pinturas? Não, não são pinturas...

A jovem dama virou-se para a outra, entre o estarrecimento e a curiosidade:

- Não? Então é uma nova técnica?

- Sim. Chama-se...

Seu rosto se contorceu de súbito e sua mão foi levada aos olhos, como para impedir que o desmaio fosse motivado pela visão, já turva. A jovem dama pôs-se ao seu amparo, inutilmente, pois a que descia ao chão era robusta, e os pesados trajes que vestia não colaboravam com o resgate. Gritou por socorro, mas eram as únicas naquela nova galeria. Voltou-se para a dama que estava já caída, tentando erguer sua cabeça, cujos olhos estavam quase fechados, o violeta profundo das íris engolido por pupilas dilatadas que tentavam dizer algo que dos lábios tremelicantes não saia...

- O que houve? O que aconteceu? – indagava, olhando de um lado para o outro, em busca de um suporte que ali não existia. Ela precisa voltar... Precisa voltar... Era somente nisso que pensava, alarmada em ouvir o próprio coração acelerando e descobrindo movimentos na primeira imagem...

Autor

Guilherme Xavier (Guix) é o especialista em jogos e ficção científica responsável pela iniciativa neolabore. Friburguense de 1978 e cidadão niteroiense honorário desde 1997, investiga e trabalha com experiências interativas e narrativas no emocionante hibridismo academia-mercado. Magnificamente casado, é o papai gamer de Gabix e Igor, os incríveis gêmeos com um ano terrestre de diferença. Quando perguntado sobre a vida, respondeu: "Bem, se fosse outro não seria eu... Penso, logo me preocupo."


1

"Transdinand, por sua vez, compenetrado em sua missão e atenção nos controles da nave submarina, não percebia as sutilezas da garota, ou se o fazia de sonso para não se indispor com Cassandra, com a qual (soube Relax em suas pesquisas anteriores), servia de válvula de escape sexual para as constantes tensões que o trabalho exigia-lhe. Seria questão de tempo até que eles acabassem por desaparecer simultaneamente em um dos minúsculos espaços da nave, para entregarem-se a luxúria momentânea, que em mais de uma ocasião, foi interrompida por alertas de Ariel a Dubberman. Em uma dessas situações proteladoras, a vida de todos foi ameaçada, quando ao avançarem por um beco para escapar de correntes violentas, um dos guindastes laterais de amparo aos tratores atingiu um letreiro de uma edificação. O impacto com a estrutura metálica em desintegração fez com que o submarino girasse em eixos imprevistos e raspar perigosamente seu casco orgânico em protuberâncias que poderiam ter perfurado tanques sensíveis. Relax acredita que naquele momento, a excitação sexual de Transdinand foi aproveitada como o catalizador que o permitiu colocar a nave em rota segura novamente, contando em parte com os avançados sistemas de navegação por ecolocalização, e em parte com a observação tridimensional de Ariel ao redor da nave."

(Tsundere, p. 21-22)

6

"Tangran não era um lugar, Tangran não era um tempo, Tangran era um procedimento biomédico, que naquele exato instante, estava acontecendo dentro do seu corpo, em cada uma de suas células, especialmente as cerebrais. Como a pele de um animal em um curtume, ele estava sendo curtido, rendido, estragado sob controle de um soro que o havia colocado em uma artificial comatose. A diferença que para o programa na qual havia sido colocado, a inconsciência não era uma bênção terapêutica, mas parte do processo de cumprimento de pena por um crime que, ainda plena certeza, não havia cometido."
- Ou cometi?
De qualquer modo, pelo programa padrão, a cada onze meses em Tangran, vinte e dois anos teriam se passado no organismo submetido. No seu caso, em especial, seriam vinte e dois meses por crimes contra a nação.
Quarenta e quatro anos perdidos..."

(O tempo que se tem, p. 114)

9

"- Querida! Fique onde está! Temos um invasor no castelo, mas já estou resolvendo...
Era o que eu temia. Argumentar seria uma inútil perda de um tempo que, diante de uma arma carregada e tremulante, eu não dispunha. Intencional ou não, o disparo seria. Tentei novamente:
- Eu sou sua esposa. Por isso ela não vai atender. Ela, aliás... Eu. Você e eu, digo, eu e ela somos um contrato existencial figurativo, baseado em uma mesma e única pessoa, dividida e recriada digitalmente, por um recurso tecnológico experimental... Bem... Que parece não estar funcionando como deveria... Em resumo... É bem mais complicado do que isso, mas espero que seja suficiente para que abaixe essa arma e me escute com muita, muita atenção..."

(Quem é Kën?, p. 168)